A Teoria da
Relatividade é uma das maiores revoluções do século 20. Modificou para sempre
nossa concepção do Universo. Entenda como o formidável legado de Albert
Einstein surgiu da observação de pequenos (porém intrigantes) eventos do cotidiano.
Oscar T. Matsuura
A Teoria da
Relatividade é um marco do século 20. Inovou o pensamento científico, ampliou o
conhecimento da natureza e o seu domínio pelo homem. Mas permanece afastada de
nossas preocupações cotidianas – em parte porque desafia o senso comum.
Mas basta
pensarmos em eventos de nosso cotidiano para entendermos muitos dos princípios
da Relatividade. A apreensão do tempo e do espaço é um exemplo disso. Nossa
experiência mais pessoal do tempo é a vivência do tempo subjetivo. Com ele
ordenamos a seqüência de eventos segundo o critério do antes e do depois para
narrar uma história. Mas o tempo parece estar fluindo sempre e de maneira
uniforme, fora de nós, independentemente da nossa vontade. Assim, passam os
dias, os meses e os anos. Para medir ou quantificar o seu fluxo foram
inventados o relógio e o calendário.
O conceito
intuitivo de espaço nos vem da experiência da forma dos objetos e do volume
ocupado por eles, bem como da experiência do deslocamento dos corpos no espaço.
Apesar de invisível, o espaço parece existir como uma entidade objetiva e real.
Nós mesmos nos sentimos ocupando lugar nele. Esse espaço pode ser medido e quantificado
com uma régua ou trena.
Já por volta
de 300 a.C. o matemático alexandrino Euclides deu a esse espaço a magnífica
descrição geométrica do espaço tridimensional conhecido como euclideano. Porém,
até Copérnico (1473-1543) prevaleceu a concepção de que o Universo estava
hierarquizado em esferas concêntricas à Terra e confinado pela maior dessas
esferas, a das estrelas fixas, cujo raio era finito. Ou seja: o espaço era
finito. A hierarquização do espaço baseava-se na idéia do filósofo grego
Aristóteles: as esferas abaixo da Lua eram compostas dos quatro elementos –
Terra, Água, Ar e Fogo – e, acima dela, de uma substância chamada Quintessência
ou Éter (que nada tinha a ver com a substância química de mesmo nome).
Portanto, além de finito, o espaço era não-homogêneo: tanto mais nobre e
perfeito quanto mais distante da Terra.
É a partir do
inglês Isaac Newton (1642-1727) que se estabelece a idéia de um espaço
homogêneo, sempre igual em todas as direções e infinito. Mas foi o filósofo e
matemático francês René Descartes quem, antes de Newton, inventou a geometria
analítica, uma ferramenta matemática para representar e manipular pontos nesse
espaço. As coordenadas geográficas num mapa ou num globo exemplificam esse tipo
de representação.
A régua do
universo
Não se impondo
um início e um fim para o tempo, nem fronteiras para o espaço, tempo e espaço
são ilimitados e infinitos. Tal tempo e espaço inviabilizam, respectivamente, a
determinação de um instante e a localização de um evento. É fácil entender
isso: assim como num universo infinito é impossível definir o seu centro, uma
partícula perdida num espaço infinito não é localizável na medida em que a sua
posição não pode ser quantificada. Não pode ser quantificada porque não pode
ser medida. Não pode ser medida porque não existe régua infinita.
Mas é fácil
perceber que faz todo sentido medir um intervalo de tempo entre dois instantes,
ou uma distância entre dois pontos no espaço. Introduzindo, pois, um ponto como
referência, ainda que de forma arbitrária, o instante de um evento ou a sua
localização podem ser medidos em relação a essa referência. Ela pode ser
estipulada como o instante inicial para a contagem do tempo e o ponto de origem
para a medição das distâncias. Concluímos que o nosso ato de medir o tempo e o
espaço requer a introdução de sistemas de referência.
Um exemplo
clássico. Você está parado na plataforma de uma estação de metrô e vê uma
composição se aproximar. Nela está um amigo seu. Ele está sentado junto a uma
janela que pode ser reconhecida por meio de alguma marca. Como você descreveria
o movimento daquela janela? Agora o tempo não pode ser ignorado. Um relógio é
necessário. A descrição pode ser feita tabelando a distância dessa janela até
você para cada sucessivo segundo de tempo fornecido pelo seu relógio. Essa
descrição terá você como referência: o lugar onde você se encontra e o seu
relógio. O fato é que, na descrição final, a distância da janela em relação a
você diminuirá com o passar do tempo.
Mas qual é a
descrição do movimento da janela do ponto de vista do seu amigo no trem? Claro,
a referência pode ser escolhida arbitrariamente. O bom senso sugere que ele
escolha o banco em que está sentado. Nesse sistema de referência a janela
permaneceu parada o tempo todo. Mais: afirmará que estava parado, sentado, e
que você, na estação, estava se aproximando dele!
Chegamos,
assim, à conclusão de que o movimento é relativo. Relativo ao sistema de
referência do observador. Nenhum movimento é absoluto.
O
observador é tudo
Uma idéia
fundamental que possibilitou a transição do sistema geocêntrico de Ptolomeu
para o sistema heliocêntrico de Copérnico foi a da relatividade do movimento
dos astros. Com efeito, muitos movimentos celestes importantes resultam apenas
do movimento do observador que, estando na superfície da Terra, é arrastado
pela sua rotação, translação etc. Apesar da simplicidade e obviedade dessa
idéia hoje, a humanidade passou vários séculos desconsiderando o
heliocentrismo. Por quê? Porque prevalecia a idéia de que a Terra permanecia imóvel
no centro do Universo. Mas sobretudo porque pesava o fato de que a contemplação
ingênua do céu estrelado não dava a menor indicação de que a Terra estivesse
girando em torno do seu eixo e viajando no espaço ao redor do Sol. O modelo
geocêntrico era intuitivo.
Na prática, um
sistema de referência é um laboratório com um observador e os seus aparelhos de
medida: a régua, para medir distâncias; o relógio, para medir o tempo. O ponto
importante é que o observador e os seus instrumentos de medida sejam solidários.
Se o observador se mover, os instrumentos deverão acompanhá-lo.
A relatividade
do movimento é uma conseqüência da relatividade da posição de um corpo no
espaço, em relação ao sistema de referência adotado. O espaço, em si, é
absoluto. Também a distância entre dois pontos é absoluta. Mas a posição de um
corpo, e o seu movimento, são relativos a cada sistema de referência.
Até aqui, o
tempo em si também é considerado absoluto. Também as medidas de intervalos de
tempo são absolutas. Diferentemente da origem para o espaço, a origem para a
contagem do tempo é supostamente comum para todos os sistemas de referência.
Surge, assim, uma assimetria entre as medidas do espaço e do tempo. Só as
primeiras são relativas a cada sistema de referência. Enquanto a posição da
janela do vagão do metrô dependia do sistema de referência, o tempo era comum:
o relógio do seu amigo no metrô, e o seu na estação, estariam marcando
exatamente o mesmo tempo.
A consideração
de que o tempo é comum para todos os sistemas de referência implica alguns
requisitos: que todos os relógios distribuídos no espaço marcham com a mesma
velocidade, independentemente do movimento relativo. Isso será negado na
relatividade restrita com a dilatação do tempo. Implica também que todos os
relógios possam ser perfeitamente sincronizados – o que, no fundo, exige uma
forma de transmissão instantânea de informação entre dois pontos separados no
espaço. Isso também será negado com a relatividade da simultaneidade.
O fato de o
movimento ser relativo tem a ver com relatividade? Sim, mas a relatividade do
movimento da qual falamos até agora é clássica. Ela já era conhecida por
Galileu Galilei (1564-1642) e pelo próprio Newton. A relatividade de Albert
Einstein não é essa relatividade clássica, mas surgiu de uma revisão crítica
dela. Apesar da denominação Teoria da Relatividade, como se Einstein tivesse
dito que na natureza "tudo é relativo", o seu conteúdo principal diz
respeito muito mais à constância e universalidade das leis físicas.
Gênio
indomável
Na escola
primária, Albert Einstein (1879-1955) foi considerado insociável e lerdo. Seus
pais chegaram a achar que ele sofria de dislexia. Na verdade, Einstein estava
perdido nos próprios sonhos. Bom de raciocínio, tinha dificuldade nas tarefas
que exigiam memorização. Com apenas 5 anos, Einstein ganhou uma bússola.
Brincando com ela, achava um milagre a propagação do magnetismo terrestre pelo
espaço. Considerado um mau exemplo para os colegas, Einstein não conseguiu
terminar o ginásio em Munique do qual foi expulso. Aos 16 anos, já em Milão com
seus pais, enquanto passeava de bicicleta, fez a famosa pergunta: "Como se
pareceria o mundo se eu viajasse em um raio de luz à velocidade da luz?"
Nesse mesmo ano escreveu um trabalho sobre eletromagnetismo que já prenunciava
a Teoria da Relatividade. Esse trabalho impressionou tanto os examinadores da
Escola Politécnica de Zurique, que compensou as notas ruins em outras
disciplinas.
Em 1901, por
alguns meses Einstein deu aulas de matemática em colégios não muito distantes
de Zurique, mas, em meados de 1902, ganhou um emprego no Departamento de
Patentes, em Berna. Teve tempo para pensar em física.
Em 1905
publicou cinco trabalhos, dentre os quais aquele sobre o efeito fotoelétrico,
pelo qual ganharia o Prêmio Nobel de 1922, além de dois artigos com os quais
lançou a Teoria da Relatividade Restrita, uma resposta àquela pergunta que se
fez andando de bicicleta. Assim chegou ao espaço e tempo relativos,
desconstruiu a noção intuitiva da simultaneidade, introduziu a estranha idéia da
variação da massa com a velocidade, o significado de velocidade-limite para a
velocidade da luz e a equivalência entre massa e energia. Convidado para
escrever um artigo sobre sua teoria numa publicação anual, sentiu-se
desconfortável com o fato de que a Relatividade se aplicava somente a situações
especiais. Concebeu então um novo projeto que rompesse essas barreiras: a
elaboração da Relatividade Geral. Ou, como todos conhecemos: a Teoria da
Relatividade.
O grande
salto
A Relatividade
Restrita só se aplicava em sistemas cujos movimentos relativos tinham
velocidade retilínea e uniforme. Sistemas acelerados, como uma galáxia distante
em relação a nós, estavam excluídos. Em 1911, Einstein aceitou o convite para
trabalhar em Praga, na atual República Checa. O projeto da Relatividade Geral
praticamente não havia progredido e só foi retomado aí. Através de experimentos
mentais, construiu duas idéias-chave: o Princípio da Equivalência, segundo o
qual um sistema em repouso no campo gravitacional da superfície da Terra é
indistinguível de um sistema acelerado por um foguete com igual aceleração no
sentido oposto; e a curvatura do espaço e do tempo. Para completar a teoria,
faltava encontrar a solução matemática para encurvar o espaço-tempo.
Um exemplo
clássico disso é o do carrossel. Num carrossel que gira, há uma aceleração
centrífuga. Segundo a Relatividade Restrita, a medida do raio R do carrossel,
perpendicular ao movimento, não é afetada pela rotação. Mas a medida do círculo
externo é afetada: não será 2pR, mas menor. Isso ilustra como o espaço num
sistema acelerado não é mais euclideano, mas encurvado. Para introduzir a
curvatura Einstein fez uso do espaço-tempo, uma entidade geométrica abstrata
criada por Hermann Minkowski, seu mestre de matemática em Zurique. O
encurvamento do espaço-tempo é determinado pela presença de matéria e energia.
No espaço-tempo encurvado os corpos e a luz percorrem trajetórias curvas, mas
não mais sob a ação de uma força. A Relatividade Geral dispensa a noção
newtoniana de força.
Em 1914
Einstein mudou-se para Berlim. Trabalhava freneticamente para finalizar a
Relatividade Geral. Em 1916, depois de tê-la apresentado no final do ano
anterior numa sessão da Academia Prussiana de Ciências, publicou sua
Relatividade Geral. Mas Einstein não era um bom matemático. Assim, com muito
sacrifício e com muitas tentativas e erros, chegou às equações da Relatividade
Geral.
Ao reformular
a teoria da gravitação de Newton, a Teoria da Relatividade permitiu construir
um andaime mental para o estudo do Universo como um todo. Só por isso a Teoria
da Relatividade tem um valor cultural inestimável, pois deu ao homem a chave
para responder à pergunta: "Onde estamos?" Essa foi uma grande
façanha intelectual, pois o Universo é um objeto muito peculiar de investigação.
Por definição, ele inclui toda a realidade física sem que nada reste fora dele.
Estamos diante do caso único em que o observador, necessariamente, faz parte do
objeto de estudo. Não há, portanto, a usual relação sujeito-objeto. Nem existe
um espaço como se fosse o palco preparado para a atuação do Universo. O espaço
e o tempo só existem no Universo e na medida em que o Universo contém coisas e
abriga processos. Através do espaço e do tempo as coisas no Universo têm
relação, não com o todo, mas entre si, de modo que a descrição do Universo é
uma descrição da rede de relações que ocorrem nele.
Essa descrição
é fundamentada na Teoria da Relatividade, que nos permite vislumbrar o Universo
como quem consegue enxergar além do horizonte e perceber a curvatura da Terra
quando é alçado a alturas maiores. Vendo agora o Universo à luz da revolução de
Einstein, reconhecemos nele reflexos de nós mesmos. Pela primeira vez, desde a
criação, o Universo toma conhecimento de si mesmo através do homem!
Uma predição
da Relatividade Geral foi a deflexão dos raios de luz de estrelas distantes
quando eles tangenciam o Sol até chegarem aos nossos olhos. Agora a deflexão
não era mais explicada pela ação de uma força gravitacional atuando nos fótons,
mas pelo encurvamento do espaço nas proximidades do Sol. Em 1919 a Royal
Society de Londres anunciou que essa predição havia sido confirmada no eclipse
daquele mesmo ano. Parte dessa observação foi realizada no famoso eclipse de
Sobral, CE. Foi este sucesso que lançou Einstein definitivamente para a fama
internacional, não apenas como cientista, mas também como o sábio que mudaria
nossa maneira de encarar o Universo.
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